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Itaú quer saber se deve devolver livro de ações da Eldorado à J&F

Por Folha de São Paulo

23/04/2024 9h32 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Com data de 12 de abril, o Itaú Unibanco enviou ofício ao desembargador Rogério Favreto, do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). O objetivo do maior banco do privado do país pode ter sido lavar as mãos e não se intrometer em uma briga societária que se arrasta há seis anos: o controle da Eldorado Celulose, disputado por J&F e Paper Excellence.

Baseada em uma decisão unânime da 3ª Turma do TRF-4, no sul do país, a Eldorado (administrada pela J&F) solicitou que o Itaú devolva o livro de ações da empresa, hoje sob custódia da instituição financeira. A Paper, por meio da sua empresa brasileira, a CA Investment, avisou que isso não deveria ocorrer.

Embora reconheça não ter recebido ordem judicial expressa, o Itaú pediu esclarecimentos a Favreto: "[…] Pedimos que este R. Juízo esclareça se o Acórdão proferido […] determinou a devolução do Livro de Transferência de Ações da Eldorado ou a extinção do Contrato de Custódia", pede o banco.

Se fosse desfeito o contrato de custódia, a Paper receberia de volta o dinheiro depositado para fechar a compra do Eldorado. Em fundo de investimento chamado de Manoa Excellence, o resgate seria, em valores atuais de R$ 8.703.863.718,20.

Procurado pela Folha de S.Paulo, o Itaú Unibanco disse que não se pronunciaria sobre o assunto.

A J&F acertou acordo para vender a Eldorado Celulose à Paper por R$ 15 bilhões em setembro de 2017. A companhia de origem indonésia ficou, inicialmente, com 49,41% das ações. Tinha um ano para liberar as garantias dadas pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da J&F, em dívidas da Eldorado e ficar com os 50,59% restantes.

Foi quando começou a briga. A J&F argumenta que a rival não cumpriu o combinado e perdeu o prazo para liberar as garantias. Para a Paper, a holding dos Batistas não colaborou com as negociações (quebrando regra do contrato) e trabalhou para atrapalhar a concretização do negócio.

O caso foi à Justiça e tem uma série de processos paralelos, acusações de extorsão, roubo de emails, espionagem e hackeamento de servidores.

O Itaú entra na história porque, em arbitragem, a Paper venceu por 3 a 0. A J&F contesta o resultado e pede sua anulação. Ficou determinado que o dinheiro e o livro de ações ficariam sob custódia do Itaú Unibanco até a resolução do caso.

"Informo que, por vedação do artigo 36 da LC 35 [conhecida também como Lei Orgânica da Magistratura Nacional], estou impossibilitado de ‘manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento’. Os recursos estão disponíveis às partes e serão decididos oportunamente", afirmou, por email, Rogério Favreto.

A Eldorado considera que o pedido da devolução do livro de ações é algo natural. A decisão do TRF-4 confirmou tutela cautelar concedida por Favreto para não concretizar os atos de transferência das ações da J&F para a Paper. Também determinou a suspensão da decisão A14 da arbitragem.

Esta versava sobre a criação de órgão de coordenação da empresa, com participação de todos os acionistas. Também colocava o Itaú como banco de custódia do livro de ações e do dinheiro.

A Eldorado argumenta não poder sofrer consequências das disputas de seus acionistas e que ter posse do livro de ações não muda nada na disputa. Seria apenas um ato para cumprir o que determina a CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Em nota, a Paper diz que o pedido "representa mais uma conduta espúria e de má-fé dos irmãos Batista, distorcendo fatos e tentando instrumentalizar a Justiça para satisfazer suas pretensões particulares de descumprir um contrato privado de venda da empresa de celulose."

A empresa de origem canadense-indonésia contesta a visão de que decisão do TRF-4 liberou o Itaú a devolver o livro de ações. A J&F poderia, segundo ela, criar compromissos financeiros, financiamentos ou investimentos lastreados nas ações que estariam na discussão judicial, aumento de capital ou uma fusão, o que tornaria mais difícil a finalização da venda acordada em 2017. Haveria também a sensação pública de que o negócio estava desfeito.

Em reunião de acionistas, em novembro do ano passado, Joesley Batista propôs ao indonésio Jackson Wijaya, que ele recebesse de volta os cerca de R$ 4 bilhões que pagou pelos 49,41% da Eldorado e devolvesse as ações.

A J&F considerou "inusitada" a consulta feita pelo Itaú a Favreto, uma vez que todas as decisões do desembargador foram para cumprir a Lei das S/A. Mais estranheza ainda causou o trecho do requerimento a lembrar que a devolução do livro de ações levaria à devolução dos "recursos mantidos em custódia no Itaú Unibanco". O pedido da holding não contempla o que fazer com o Manoa Excellence.

Nas entrelinhas, o que a J&F coloca em dúvida é se a maior parte dos R$ 8,7 bilhões em custódia não estariam lastreados nas próprias ações da Eldorado. A Paper vê isso como requentar uma acusação antiga, de que a compradora não teria dinheiro para finalizar a transação, o que o depósito no banco provaria não ser verdade.

Para a Eldorado, teria sido correto dividir a custódia, ficando o livro de ações em um banco e o dinheiro em outro.

A preocupação do Itaú é consequência daquilo que virou o cerne principal da disputa pelo controle da Eldorado: as terras.

A intervenção do TRF-4 teve início com ação popular proposta pelo ex-prefeito de Chapecó, em Santa Catarina, Luciano Buligon (Republicanos).

A ação não foi aceita em primeira instância, mas Favreto decidiu dar uma liminar suspendendo a transferência das ações da J&F para a Paper baseado na lei 5.709 de 1971, que regula a compra de terras no Brasil por estrangeiros.

Por essa legislação, a companhia de Jackson Wijaya não poderia ser dona da Eldorado, que possui terras ou é arrendatária delas. Seria necessária a autorização do Congresso Nacional.

A Paper combateu desde o início essa visão e a vê como estratégia diversionista dos Batistas para não entregar o controle da Eldorado. Afirma não ser o negócio da companhia de celulose ser dona de terras, propôs acordos para o Incra (recusados) de se desfazer delas depois de um período de tempo e reclama que a decisão se fixou apenas na Paper, se esquecendo de todos os outros negócios envolvendo terras compradas por estrangeiros no Brasil nos últimos anos.

A empresa contesta a ação em Chapecó porque ela teria sido feita por Buligon baseada em uma nota notarial registrada por um empresário da cidade. Esta diz que representantes da Paper sondaram agricultores da região para a compra de terras para plantio de eucaliptos, sem apresentar nenhuma evidência.

Buligon citou que a venda da Eldorado fere a soberania nacional. O autor da ata notarial foi Valdir Crestani, empresário apoiador financeiro em campanhas políticas do ex-prefeito.

Crestani também foi doador à campanha para governador, em 2018, de Gelson Merisio, conselheiro independente da JBS, empresa de capital aberto em que a J&F é a maior acionista.

A J&F considera curiosa a visão da Paper de que o negócio da Eldorado não é ter terras, seja como proprietária, seja como arrendatária. O contrato de compra e venda obriga a manutenção de áreas plantadas de eucaliptos. Isso só é possível com a propriedade ou arrendamento de terras, diz a holding.

Executivos também afirmam que a Paper prospectou terras não apenas em Santa Catarina, mas em Minas Gerais.

As duas companhias prometem que, quando vencerem a briga, farão nova fábrica para aumentar a produção, gerar milhares de novos empregos e fazer novos investimentos.

Nesta segunda-feira (22), Wesley Batista anunciou a construção de nova linha da Eldorado em Três Lagoas (MS), com investimento de R$ 25 bilhões.

A Paper contesta a liminar de Favreto e a decisão recente do TRF-4 porque ação popular deveria versar sobre questões de interesse público, segundo a empresa. A sentença sobre a arbitragem, com ou sem devolução do livro de ações, se intrometeria em um contrato particular entre duas empresas.

Responsável pelo habeas corpus que tirou da prisão o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em julho de 2018, Favreto é um dos mais fortes candidatos à vaga de ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), aberta em janeiro deste ano.

Na briga em que não há consenso sobre nada, a J&F e a Paper não concordam nem sobre qual é o cerne da questão Eldorado.

Para a compradora, no final de tudo, a J&F vendeu um bem, se arrependeu no meio do caminho e tem usado todos os expedientes possíveis para não entregá-lo.

A vendedora contesta. Diz que o mais importante é que a rival sabia que precisaria de autorização do Congresso Nacional para ser dona ou arrendatária de terras, nada fez e, com isso, invalidou o contrato inicial, em que se declarava totalmente apta a assumir o comando da Eldorado.

No meio disso tudo, o Itaú Unibanco quer saber o que fazer com o livro de ações. E com os R$ 8,7 bilhões do fundo Manoa, que equivalem a 24,4% do lucro que o banco apresentou no ano passado (R$ 35,6 bilhões).


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